Beija-flores

É de manhã cedo, ainda nem tomei café e um beija-flor já está na janela, com aquele jeito impaciente, à espera da garrafinha de água com açucar.

São meus bichos de estimação.

Esse é um beija-flor menorzinho, não sei o nome, mas o mais agitado e briguento. Há uma outra espécie, a mais comum, maior e mais elegante, e um outro passarinho, pequininho, que parece um filhote de bem-te-vi por causa das cores. Acho que o pessoal o chama de sebinho, não tenho certeza.

São as três espécies que aparecem… Alíás, eis uma questão interessante: não sei distinguir se são vários indivíduos da mesma espécie que aparecem meio aleatoriamente por aqui, ou se são sempre os mesmos indivíduos. O mais provável é que seja uma mistura das duas coisas: uns poucos exemplares de cada especie frequentam minhas três, às vezes quatro, garrafinhas como se fossem famílias muito unidas

O que mais me intriga é como brigam. Há verdadeiros bate-bocas – e bate-bicos também – por conta das garrafinhas, que invariavelmente terminam o dia com água sobrando.

Piam, estrilam, se bicam, esvoaçam num balé que pretende ser ameaçador, até que acabam se entendendo. Um desiste e o  se instala todo impávido, o peito estufado, na barra horizontal da persiana aberta, tomando conta do que naquele momento é seu território. Diria-se um barão ou duque…

Digo “naquele momento” porque não demora muito lá vai ele voar, sei lá se visitar outras propriedades suas, e logo aparecem de novo os outros a se aproveitar de sua ausência. Até que tudo recomece… Tem algo de cômico nisso tudo, mas quando penso que nós humanos temos muito disso, me entristeço um pouco…

(Mas aqui, no Café, não é lugar de pensar essas coisas. Por isso criei o Cozinha Filosófica…)

No fim, acho que todos saem satisfeitos e ainda sobra água para os que vêm com a noite… Pois, se eu bobear e esquecer de tirar as garrafinhas quando o sol se põe, logo aparecem os beija-flores da noite: os morcegos.

É, a natureza não pára. A vida é incessante e nisso está muito de sua beleza.

Como todo mundo, não gostava de morcegos. Mas, com a convivência perdi o medo infantil que tinha deles. Ao contrário, já desenvolvi até uma certa simpatia. Acho atrevido o seu voo inesperado e imprevisível, as manobras que fazem, entrando por uma janela e saindo por outra, rápidos, ágeis e um pouco doidos. Se acostumaram a entrar, mesmo que não haja garrafinhas, simplesmente porque as janelas ficam abertas o tempo todo e de algum modo aprenderam que aqui, quem sabe, às vezes… Impressionante essa memória dos bichos.