Meu eu filho

Meu Filho, Paloma Perez, 2005 – acrílica sobre tela, Acervo Câmara Municipal de Lisboa

Meu filho, 
a última vez que fui moderno 
foi no tempo do ieieiê.
Depois disso, fui só louco,
louco, louco, louco:
louco de pedra, louco de flor.
Louco sem tirar nem por. 
Desses de quem dizem os amigos: 
“Coitado…” 
– e mandam ao bar comprar cervejas e cigarros,
já com o dinheiro contado na mão.

Pois eram tantos eus 
que me calavam de espanto
por detrás dos olhos rútilos,
que ao passar as velhinhas se persignavam,
imaginando o filho dileto de Deus.

E assim correu a eternidade que me coube…

Não houve bem nem fim nem cura:
um dia, se cansou de mim
a loucura e eu dela 
nem senti falta:
virei de repente
um rapaz muito manso,
um anjo de pijama,
que com cuidado amava 
as mais bonitas moças desvalidas 
e a elas dedicava poemas de princesa.

E lia, lia, lia –
sem estardalhaço nem cansaço – 
tudo em que encontrasse um coração pulsando…

E nem me dei conta de que fui ficando velho,
os cabelos passando de castanhos a cinzas e depois brancos,
as calças que já não cabiam, 
as camisas que encardiam,
e eu de fato me achando cada vez mais moço, 
o corpo com a alma tão confundidos, 
que enfim entendi porque se diz que é eterna a vida. 
Porque, se é eterna, é só uma e nunca se acaba.

E era isso que já eu suspeitava
quando era louco, louco,
louco de pedra, louco de flor…