Há dois modos de viajar: ser porto ou ser navio. Escolhi ser porto. Ou melhor, nasci porto, ainda que tenha nome de navio. Não que faça assim tanta diferença. Para Deus e para si, navio e porto são o mesmo – nutrem-se.
Digo isso porque há gente para quem viajar é conhecer muitas cidades, quase sempre correndo, passando pelo que delas há de mais óbvio. São navios. Já eu sou do tipo que toda dia descobre alguma coisa nova nos quatro ou cinco quarteirões cotidianos. Até mesmo sem sair de casa.
Explico: gosto muito de janelas e estar debruçado nelas é um jeito de me distrair, descansar desse estar sentado lendo e escrevendo que é o melhor da minha vida.
Observo sem malícia meus vizinhos, por exemplo. Alguns foram envelhecendo junto comigo, mas sempre há apartamentos que de súbito se esvaziam e logo se enchem de gente nova. Há nisso a graça de ver circular pessoas, sempre tão únicas. A moça que às vezes ia para a varandinha tocar um chocalho quando a chuva se anunciava foi-se embora com sua filhinha e o provável marido que nunca vi. Quem virá agora? O apartamento vazio aguarda, ansioso.
Já há uns meses, um outro apartamento foi ocupado por uma senhora que passa o dia numa cama de hospital, bem próxima da única janela do quarto e sala. Não vejo seu rosto, só as perninhas finas, compridas, tão frágeis que as vezes parecem de papel. De longe, parece tao mansa, tão resignada em seu destino. Rezo por ela, sempre que lembro.
É verdade que a maior parte do tempo a maioria das janelas fica fechada com cortinas. Até por isso, as minhas ficam escancaradas dia e noite, sem cortinas, as persianas levantadas, para que a casa se encha de luz e o ar circule. Aprendi com Paloma, entre tantas coisas… E, aliás, combina mais com meu ser porto.