Dança da chuva

Adoro essas chuvas de lavar a alma da lama que nela se acumula. Mas em mim alguém também lamenta quando lembra que para muitos essa chuva nao é bem, e sim flagelo que afoga, arrasta, mata e expõe flagrante a miséria que sob o céu sem nuvens a uns constrange e a outros nem abala. É como se de luto eu dançasse eufórico sob a chuva, um tanto doido, um tanto santo, cego ao olhar hipócrita dos passantes. Pois desde muito antes que em mim se acendesse a consciência, já esse som efervescente, os úmidos afagados das lufadas de vento fresco, uma ou outra gota que pousa fria para surpresa do pele num ínfimo êxtase, tudo isso já no berço me encantava, ainda quando os olhos mal sabiam ver. Então não será a torpeza flácida dos homens entres os quais me incluo que irá abalar o gozo íntimo que essa chuva me provoca. Danço, por dentro danço em júbilo. Se de luto como um santo ou nu como um doido revoltado, nem sei e nem me importo. Danço.