Só há uma vida, a eterna

“Já estamos na vida eterna!”. Essa ideia me ocorreu como um estalo. É daquelas que parecem tão claras que não exigem explicação. Mas, é óbvio que exige. Aí, o que era auto-evidente torna-se um enigma: como explicar? Tento visualizar os elos da corrente que me conduziram à conclusão e reordená-los de modo que não pareçam um sonho, mas uma paisagem…

De cara, penso que, se somos uma composição de corpo e alma um tanto desconjuntada pelo pecado original, que inoculou a morte (e o trabalho!) no que era para ser o Paraíso; mas, ainda que nos advenha a morte do corpo, o espírito é imortal e essa morte do corpo provisória, porque em algum momento, no dia do Juízo, corpo e alma serão restabelecidos em sua unidade original, e uns conhecerão de Deus a Justiça, e outros, a Misericórdia. E a uns será dado o Esquecimento e a outros o Perdão; logo, “onde, ó morte, está teu aguilhão?”. Esta vida – que inclui essa morte temporária (ou temporal?) – faz parte, de um modo misterioso (porque está além das palavras), mas compreensível, da Eternidade.

Se conseguíssemos de fato perceber isso, viver isso em toda a sua atualidade – “com todo o corpo e com toda alma” – o jugo dessa vida seria de fato leve.

O que nos cega?

Lembrei de um conto de Borges (que nem católico era), A Rosa de Paracelso, onde, em dado momento, ele escreve:

“¿En qué otro sitio estamos? ¿Crees que la divinidad puede crear un sitio que no sea el Paraíso? ¿Crees que la Caída es otra cosa que ignorar que estamos en el Paraíso?“.

É essa exatamente a impressão que às vezes me assola.