Quarentena

Acordo cedo e vejo amanhecer. Sempre gostei do silêncio que precede o dia e seus afazeres. Mas agora é diferente. Há no ar essa incerteza consubstanciada em nuvens que no céu espelham o peso que sobre nós se abate. A frase mais otimista que ouvimos é que nada mais será como antes. Haverá abraços no futuro? Essa é uma das questões que mais me angustia…

A única rotina que parece inalterada é a dos pássaros e das plantas. Talvez só os pombos sofram de fato com essa escassez de gente e lixo.

Alguém disse que março foi domingo todos os dias. Eu acho que esses dias têm sido dia nenhum: nem sábado, nem domingo, nem segunda… É uma negação de todos os dias, um longo dia sem nome, sem sentido. Nem semana há. Empilham-se as horas e delas passamos direto para os meses: foi-se março, que só foi março até a metade, e agora vem abril que nada será senão um nada por inteiro, segundo dizem.

Para os católicos, tem sido uma quaresma de penitência real: sem missa, sem sacramentos, sem a presença do padre e do rebanho. Tornamo-nos todos monges, monges involuntários dos mosteiros do eu sozinho, irmanados virtual e sobrenaturalmente pela oração e pela internet. Há em nosso esforço a redescoberta de uma beleza talhada em pedra que talvez nos torne mais fortes. Talvez.

Para minha surpresa, percebo que o tempo que sobra dispersa-se na busca de informação.

Informação, contra-informação, desinformação, especulação, opinião, impressão tudo acaba por se converter numa pasta amorfa que é o avesso do conhecimento porque só reforça a sensação de impotência. E em vez de caridade o que acabo por sentir é medo.

O mais prudente portanto é ficar longe das telas. Longe das telas e mais perto dos livros. Especialmente deste livro que é o Rosário.

Bem alto no céu, as fragatas giram em círculos à espera de correntes favoráveis. Pacientes e prontas, elas são meu exemplo.