A fé e a flor

Tenho fé não por vontade minha ou por força de argumentos, mas por um encantamento que me vem da contemplação da vida e dos mistérios revelados. Será esse encantamento o que chamam graça? Até dizemos de algo que nos encanta que “é uma graça”. Ou, quando algo nos surpreende, dizemos que é “engraçado”, palavra que também usamos pra tudo que nos deixa alegres ou nos faz rir.

Sim, certamente a fé é uma graça. Como não ter fé depois de contemplar os mistérios gozosos do Rosário ou a vida em sua silenciosa obstinação?

Não foi a razão ou a vontade que me trouxeram a fé. A razão e vontade são instrumentos a serviço da sobrevivência e da reprodução: cálculo, sedução, decisões, escolhas. A fé é uma intuição que a imaginação completa a partir dos dados presentes – “gato escondido com o rabo de fora” – e que me vem por uma espécie de inteligência espiritual, que é esse poder de encantar-se.

Lembro de mim muito menino encantado em ver que a luz do sol que entrava por uma fresta da cortina revelava o ar povoado de uns minúsculos seres flutuantes que de outro modo não se viam. Muito depois, quando aprendi a ver constelações no céu, ficava pasmo de passar do caos ao cosmos num piscar de olhos.

Falo, enfim, de encantamentos, essas coisas que nos deixam sem palavras, sem fôlego, em êxtases diversos: às vezes, imóveis de tão perplexos, às vezes, valsando de alegria.

A fé é a descoberta de algo que sempre estivera lá e agora nos chega num estalo: inexplicável, involuntária, gratuita. É como essa flor que não vi desabrochar seu esplendor: abriu-se, enquanto eu dormia. Como se abrirá a outra, tenho fé.