
Eu tenho uma mãe ucraniana. Ela foi minha mãe de 10 a 16 de maio de 1965, e me deu à luz como herdeiro de um cossaco morto no campo de batalha na liderança de nosso povo. Onde estará hoje minha mãe ucraniana quando nosso povo precisa tanto de seus filhos? Sempre quis muito reencontrá-la. Tão jovem, tão linda, tão vigorosa. Todas as noites, ao fim do nosso esquete, ela me cobria de beijos (na boca até!), feliz com o nosso sucesso. Lembro de tudo: das imagens, dos cheiros, do suor, dos sorrisos, da alegria.
Onde estarão agora os netos e bisnetos de minha mãe? E meus irmãos e sobrinhos? De arma em punho como os cassacos que celebrávamos aos saltos no palco do teatro lotado?
Ontem li sobre o Fantasma de Kiev, um piloto mitológico que já teria abatido quase uma dezena de aviões russos e ninguém sabe quem é. Ao ler, entendi imediatamente quem fui naquelas longínquas noites de maio; quem emergia da terra para apertar contra o peito o gorro e a espada (como pesava!) do pai morto: o fantasma de Kiev, transfiguração humanizada do arcanjo São Miguel, padroeiro da Ucrânia.
Estou velho demais para guerra. Mas queria saber de minha mãe. Minha mãe ucraniana. Rezo por ela e por nosso povo.
Na foto, sou eu e minha mãe ucraniana fotografados pelo diretor artístico do Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1965, o genial Fernando Pamplona. Ela era bailarina do Conjunto Emérito Estatal de Danças da Ucrânia.