Kim

Kim morreu no dia seis de novembro. Era dia de Todos os Santos, segundo a Liturgia. No Evangelho da missa desse dia, um domingo, leu-se o Sermão da Montanha. Nele há um trecho que é a cara do Kim: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.” Kim uma vez me disse, num momento difícil da vida dele: “Tudo é bom.” Só um puro de coração acredita nisso. E o Kim acreditava.

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A morte de um amigo nos deixa menores. É como uma amputação. O amigo, no entanto, torna-se maior. Se antes era mais um fragmento de carne, hoje espraia-se indolente pela memória de todos. Só agora posso perceber sua presença nos presentes que deixava a cada vez que em minha casa se hospedava. Está nas fotos de múltiplos momentos que se espalham pela mesa, nos sonhos e nas memórias da “vida louca” que por um tempo partilhamos. Tudo isso sempre esteve aqui, mas era obscurecido pela voz ao alcance da mão pelos telefonemas quase diários ou pela viagem aérea sempre adiada. Hoje, aquilo que então eram restos, tornou-se imenso.